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'A Europa poderia aprender com as crises brasileiras' - 02/10/2012

Em 1980, ao negociar com os sandinistas na Nicarágua, Bill Rhodes, o lendário banqueiro do Citibank, teve de encarar guardas com submetralhadoras AK-47, e recusou-se a prosseguir as discussões. Ainda assim, soldados armados ficaram fora da sala. Numa segunda etapa, Rhodes conseguiu transferir as discussões para a Cidade do Panamá.

Essa é apenas uma das muitas histórias do livro O Banqueiro do Mundo, de Rhodes, recém-lançado no Brasil pela Globo Livros, com prefácio Paul Volcker, ex-chairman do Federal Reserve (banco central americano) e prefácio à edição brasileira de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central.

Estruturado em uma série de "lições", ilustradas com exemplos da enorme carreira do executivo, o livro vai da crise da dívida latino-americana nos anos 80 à reestruturação final da dívida externa brasileira que antecedeu o plano Real.

Para Rhodes, uma das principais falhas na condução da crise europeia foi ignorar as lições de crises anteriores, especialmente da América Latina. O próprio plano Real, diz, tem muito a ensinar aos líderes europeus. A seguir, a entrevista.

 

Por que escreveu esse livro?

Muitas pessoas pedem para apresentar minhas experiências como lições para as gerações futuras. Assim, quando estivermos em situação semelhante, eles aprenderão a lição: crises às vezes podem ser evitadas.

 

Isso se aplica à atual crise europeia?

A séria crise na Europa não está apenas afetando a zona do euro, mas toda a economia da Europa, da Ásia, da China e da América Latina. Quando essa crise estourou, estava no Fórum Econômico Mundial em Davos e disse que eles deveriam aprender a lição da América Latina e da Ásia.

 

Como assim?

Disse que teriam um contágio se não agissem rapidamente. O tempo de resposta é essencial. E, com risco de contágio, é preciso entender que todo país é diferente. Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália... todos são diferentes. Você precisa envolver o setor privado e precisa, algo que os europeus ignoraram, convencer o povo de que toda medida de reforma rígida irá levar ao crescimento eventualmente. A população não irá aceitar medidas de austeridade se isso não levar ao crescimento. A Grécia é um bom exemplo.

 

A Europa lidou mal com o problema do contágio?

O contágio se espalha quando não se toma medidas rápidas. Você também precisa de um pacote de medidas, mais do que adotar uma medida por vez. Tivemos 18 reuniões de líderes desde que a crise começou e eles continuam apresentando planos e sem executá-los. Eles precisam apresentar um pacote de medidas claras e distintas. Foi isso o que o Plano Real fez.

 

Como o Plano Real fez isso ?

O real foi uma série de medidas econômicas reunidas em um pacote. E o que você precisa na Europa é de um pacote. Deveria existir um único banco supervisor, em vez de supervisores individuais para cada país. Também precisam decidir como vão prosseguir com a compra de títulos soberanos pelo Banco Central Europeu. Eles continuam indo e voltando sobre como fazer isso. Em função disso, continuam a ter uma união monetária sem ter uma união fiscal e é por isso que a chanceler alemã Angela Merkel está insistindo em um pacto fiscal forte. E convencer a população de que esse pacote irá levar ao crescimento é a única maneira de ter apoio.

 

Há outras lições da resolução das crises brasileiras para os europeus?

A resolução da dívida brasileira no início dos anos 90. O Brasil é um exemplo para a Espanha, porque os Estados tiveram grandes déficits e o governo federal foi capaz de fazer um acordo com eles. É isso o que o governo de Mariano Rajoy (primeiro ministro da Espanha) deve fazer com as regiões da Espanha.

 

Por que é tão importante que a população apoie as medidas de ajuste?

Os governantes dos países onde a crise começou foram expulsos - Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália. Mesmo na França, onde o crescimento estava estagnado, o antigo governo perdeu as eleições. Se você apenas oferecer às pessoas a perspectiva de uma austeridade interminável, elas não irão apoiar. E, para garantir o crescimento, você precisa envolver o setor privado, pois o governo não pode fazer isso sozinho.

 

Foi assim no Brasil?

O Brasil superou aquela fase e a economia tem tido um crescimento desde aquela época. Eu acho que, no final das contas, o Brasil saiu mais forte daquelas negociações. O sistema bancário também está mais forte. Foi um período difícil e as lições daquela época deveriam ser levadas aos países da Europa.

 

Mas o crescimento no Brasil desacelerou nos últimos dois anos...

O Brasil hoje está passando por um período de baixo crescimento que tem muito a ver com a crise econômica mundial causada pela Europa..

 

O sr. negociou com o Brasil em diversos momentos. Qual deles destacaria?

A negociação de dívida soberana mais importante para o Brasil provavelmente foi a última, sob o plano Brady, quando Fernando Henrique Cardoso era ministro da Fazenda, Pedro Malan era o negociador, Arminio Fraga também estava envolvido, assim como uma série de outras pessoas, incluindo o Murilo Portugal. Essas negociações no início dos anos 90, com esse seleto grupo, prepararam o terreno, na verdade, para o que o Brasil é hoje.

FERNANDO DANTAS / RIO - O Estado de S.Paulo (
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