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José Senna avalia cenário do mercado marítimo diante da crise econômica - 21/03/2012

Com anos de experiência no setor, José Cândido Senna, falou, exclusivamente, ao Guia Marítimo, sobre o mercado portuário e suas respectivas tendências, entre elas, o aumento do porte das embarcações e suas consequências como, por exemplo, as modificações que a área de contêineres terá de implementar.Para ele, o porte dos navios está cada dia maior e, diante desse progresso, há uma discussão sobre como organizar as embarcações e como ficará o mercado portuário.

O executivo aponta o PND (Plano Nacional de Dragagem) como uma das importantes ferramentas neste sentido e lembra que a estagnação do Brasil no que diz respeito à infraestrutura se deve à insegurança jurídica provocada pelo marco regulatório, “que leva a uma dúvida sobre onde e por que investir”.

Coordenador Geral do Projeto Exporta, São Paulo pela Facesp (Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo), que visa fomentar as exportações das indústrias do Estado, agregando maior valor ao produto, diversificando a pauta e, sobretudo, ampliando da base de empresas exportadoras paulistas, José Cândido Senna, aborda alternativas para expandir a competitividade dos portos e explica se os investimentos estão sendo aplicados da maneira correta.

Guia Marítimo – O cenário aponta que uma das tendências mundiais são os navios de maior tonelagem, que devem cada vez mais tomar espaço no mercado marítimo. O Brasil está preparado para isso?
José Cândido Senna – A principal implicação que eu vejo do crescimento do porte dos navios é que ela é irreversível e vai encontrar no Brasil uma estrutura que ainda não trabalha a favor delas, quer seja em número de berços ou na questão de consignação. No entanto, me parece que os portos brasileiros têm operado com certa flexibilidade esses navios maiores. Até porque, no que se refere aos problemas do setor, este é um dos menores.

Guia Marítimo – Para a área de contêineres, o que representa esta tendência?
JCS – Para a área de contêineres esse aumento resulta em implicações importantes porque traz um calado maior e, evidentemente, por conta do maior porte, o aumento está diretamente ligado à economia de escala de navios. Chegar com um navio de maior porte a um cais de comprimento médio também proporciona um problema não só de calado, mas de comprimento também. Nos últimos anos, a infraestrutura física dos portos, em termos de berço, ficou praticamente inalterada, não teve muito investimento. Então se eu tenho, por exemplo, 3 mil metros de cais que se dividem por berços de 300 metros, então eu tenho 10 berços em um determinado porto. Se eu aumento o comprimento dos berços para atender esses navios, o número de berços cai, porque o tamanho do cais é o mesmo. É importante atentar para isso porque na economia portuária existe um negócio importante que é: quanto mais berços que o porto tem para atracação, melhor a taxa de ocupação, o que condiciona a reação entre o tempo de espera e o tempo de atracação.
Fazendo uma comparação, é como quando você vai a um supermercado e, com seu carrinho, você observa 10 caixas disponíveis para atender um determinado fluxo. Se cada uma dessas caixas permanecer 80% do tempo ocupado, você terá uma capacidade de vazão que não formará filas. Mas se você tiver apenas dois caixas e se eles ficarem 90% do tempo ocupados, você terá filas. No porto acontece a mesma coisa. Essa dinâmica implica na capacidade de movimentação de cargas do porto e na relação entre o tempo de espera sobre o tempo de atracação. A quantidade de contêineres no porto teve um aumento no movimento por atracação considerável entre 2001 e 2010, uma consequência do aumento do porte dos navios. A contrapartida disso é a consignação média aumentar. Alguns investimentos em berços em determinados portos têm sido esperados com bastante expectativa.

GM – E quanto às cargas e os respectivos congestionamentos?
JCS – Se é preciso acomodar a carga enquanto faço a carga e descarga, é preciso ter carretas que vão fazendo esse movimento do carrossel, tirando e colocando as cargas. Quanto mais equipamentos eu puder alocar para fazer essas operações, maior o rendimento – a média dos portos brasileiros é operar com três equipamentos para carga e descarga. À medida que a consignação aumenta, maior deve ser a área de retaguarda desimpedida e essa área vem sendo continuamente congestionada nos portos. Se o congestionamento perdura, a consignação, atrelada ao porte, encontra um problema operacional, que é o congestionamento crescente dos pátios de estocagem, fruto do tempo de permanência, extraordinariamente elevado. Com o congestionamento alto, a cadência de carga e descarga fica comprometida, e aí o rendimento cai… Um problema leva a outro.

GM – Voltando ao ponto acima. Se o aumento do porte dos navios é algo irreversível, qual será o futuro dos navios menores?
JCS- Eu vejo essas embarcações de menor porte sendo realocadas a fluxos de cabotagem e de grande cabotagem, fazendo também os chamados feeder services que vão trabalhar para fazer a alimentação aos grandes portos. Vejo isso como uma destinação natural das embarcações de menor porte e digo “grande cabotagem” quando se inclui Buenos Aires e Montevidéu nessa discussão, já que o mercado brasileiro não será capaz de absorver sozinho uma quantidade tão grande de navios menores.

GM- O PND (Programa Nacional de Dragagem) vai garantir o atendimento a esses grandes navios?
JCS – Pelo que eu vejo em alguns portos, acredito que sim. É a expectativa de todos. O PND faz parte do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Como há um compromisso muito grande de se ter a dragagem de aprofundamento e, depois, a manutenção sendo feita regularmente para assegurar esse aprofundamento – e isso é a condição básica para que se possa, inclusive, colocar em funcionamento novos terminais que estão sendo esperados – eu acho que é uma visão realista. Para esse projeto em particular me parece que os recursos são imexíveis. Pode faltar recurso para outras coisas, mas para isso aí eu acho que não, por conta da importância estratégica.

GM – Mas só o PND é suficiente para atender essa demanda? O senhor acredita que ele de fato possa mudar o mercado marítimo brasileiro neste momento?
JCS- Essa discussão é interessante. O PND, pelo que eu sei, assegura a dragagem da bacia de evolução, na antesala do estuário, e no canal de acesso. Já a dragagem dos berços é de responsabilidade do terminal. Precisamos saber se os superávitis brasileiros se manterão ou ficarão comprometidos diante do cenário econômico mundial. Isso depende exatamente desses cenários. Se a crise internacional se agravar muito, as metas de superávitis ficarão comprometidas, e se isso acontecer, como o caixa do governo é único e existem questões básicas e de natureza política que são muito mais difíceis de mexer – pensões e aposentadorias do setor privado, INSS, pensões e aposentadorias do setor público e programas de impacto social amplo, por exemplo. Atendido isso, se os recursos baixarem muito, os recursos do PAC podem ser afetados, claro. Mas é preciso levar em conta que o número de cargas também deve ser afetado se as contas públicas forem muito carregadas. As duas coisas andam juntas. Então a grande demanda que a gente vê hoje não seria a mesma.

GM – A impressão que se tem é que, então, durante vários anos, o Brasil ficou estagnado em termos de investimentos no setor portuário. Por que foram feitos tão poucos investimentos nessa área se já havia – e ainda há – tantas coisas a serem feitas neste segmento?
JCS – Houve essa estagnação de investimento pela insegurança jurídica provocada pelo marco regulatório, que leva a uma dúvida sobre onde e por que investir, por conta das regras. Há dúvidas se elas são imutáveis, se é possível garantir quais serão as regras durante a vigência do contrato… Então, o marco regulatório, vem trazendo inquietação, razão pela qual as pessoas pouco ousaram em empreender e fazer investimentos na área portuária. Agora mesmo existe a discussão sobre a outorga das concessões dos terminais, cujas concessões foram outorgadas em datas anteriores à lei 8.603 – antes das leis do portos, de 1993. Muitos desses terminais têm agora seus prazos médios vencendo e está a maior discussão sobre se é preciso prorrogar a outorga já concedida ou se vai licitar esses terminais novamente. Aí tem duas faces da mesma moeda: prorrogar a outorga significa, de uma certa maneira, manter o status quo, ou seja, aquele cara que chegou primeiro e que está se dando bem continua lá, o que do ponto de vista da concorrência não é saudável, mas eles tem um argumento forte de que empreenderam e investiram primeiro e que isso não pode ser dado de bandeja para quem for o sucessor. Não é um conflito fácil de dirimir. Ainda hoje há pendências com relação ao marco regulatório. Existe um decreto posterior à lei e ao qual se seguiu uma instrução normativa da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). Essas são as duas referências mais importantes para o setor. No entanto, agora, o Brasil é a bola da vez e há vários projetos sendo considerados, não apenas para o crescimento econômico. Será preciso definir com clareza quais são as regras para que possamos ter empreendimentos na área marítima e para que possamos, também, ampliar a nossa oferta de serviços.

GM – Como o País pode, então, recuperar o tempo perdido em investimentos na infraestrutura?
JCS – Eu vejo duas situações: ou você trabalha para ganhos efetivos de produtividade com o que se tem hoje ou se consegue novas instalações, o que é mais complicado.

GM – Como podemos aumentar a competitividade dos portos?
JCS – Entre a decisão de investir na área portuária e o momento em que se coloca o primeiro contêiner movimentando nessa área demora, em média, seis anos. Para um País que está crescendo, não é bom. O que precisamos é ter ganhos efetivos de produtividade e nas instalações portuárias já existentes. Com isso, nós conseguiremos ampliar a capacidade dos terminais com racionalização de processos e procedimentos. Essa é uma das questões propostas pelo projeto “Porto 24 Horas”, por exemplo.

GM – Com os investimentos sendo aplicados da maneira correta, é possível que o Brasil consiga se valer da crise em outros países e, assim, também consiga ampliar o mercado marítimo?
JCS – Com certeza. Com a crise dois blocos serão especialmente afetados: um é a própria Europa, o outro é a China, que tem a Europa como responsável por um terço de suas exportações. Se a crise se gravar nessa ordem e nós tivermos muita recessão, por um período muito prolongado, há possibilidade de se substituir fornecedores europeus, sobretudo na área de máquinas e equipamentos e produtos alimentícios. Vejo potencial para o Brasil, que poderá se tornar uma alternativa para o fornecimento de alimentos industrializados, máquinas e equipamentos. Há espaço para o Brasil ganhar mercado. Mas tem muita coisa envolvida nisso, o que vai implicar nos fluxos de linha de financiamento para o comércio internacional… Qualquer que seja o cenário, seja ele pessimista, otimista, qual for, o que é imperativo é que o Brasil terá que buscar ganhos contínuos de competitividade.

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