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O mundo é Azul - 28/06/2018
O brasileiro-americano David Neeleman junta as pontas de um triângulo para criar uma rede aérea transatlântica entre Europa, Brasil e Estados Unidos

Em apenas 72 horas, há algumas semanas, o empresário David Neeleman deu duas grandes tacadas: tornou-se acionista controlador da portuguesa TAP e passou a ter como sócia na sua Azul Linhas Aéreas a United Airlines, gigante da aviação americana. Com os dois negócios, Neeleman, que fez a Azul abocanhar quase 18% do mercado brasileiro em apenas seis anos de operação, posiciona-se nos dois maiores mercados da aviação mundial, os Estados Unidos e a Europa, e cria uma oportunidade estratégica global para a Azul, empresa registrada no nascimento como uma despretensiosa linha aérea regional de baixo custo.

A United pagou 100 milhões de dólares por 4,999% da Azul, participação que, na teoria, pode chegar a até 20%, como permite a atual legislação brasileira. A compra da TAP também tem contornos precisos. O investimento não foi feito pela empresa aérea brasileira, mas pela DGN Corporation, a holding pessoal de Neeleman, em associação com Humberto Pedrosa, do grupo português Barraqueiro, com DNA no transporte rodoviário intermunicipal. O consórcio liderado pelos dois investidores, chamado Atlantic Gateway, pagou apenas 10 milhões de euros por 61% da TAP e, eventualmente, poderá comprar mais uma fatia no futuro.Parece uma pechincha, mas para o governo português, que se debate em dificuldades econômicas de toda ordem, foi um alívio se livrar, finalmente, de um abacaxi estatal com patrimônio negativo e, nas suas mãos, com perspectiva zero de recapitalização.

Essa, naturalmente, é a visão da garrafa meio vazia. Mas para quem a vê meio cheia, como Neeleman, a TAP, com sua malha de 77 destinos em 34 países e 2.250 voos por semana, tem tudo para voar alto. “Em 2015 vai ser difícil ter resultado positivo, mas no ano que vem, quando implementarmos as mudanças planejadas, já voltaremos a ter lucro”, disse ele ao receber dezenas de jornalistas num pequeno hotel de luxo no Terreiro do Paço, em Lisboa. Neeleman pensa grande. Disse aos portugueses que Lisboa voltará a ter seu papel histórico de portão da Europa, como na era das navegações e dos descobrimentos —, agora como hub aeronáutico continental, graças à nova TAP. Não é à toa que seu consórcio com o português Pedrosa para arrematar a ex-estatal foi batizado como Atlantic Gateway (Portal do Atlântico).

Mais que salvar e reestruturar uma companhia europeia tradicional, que voa há 70 anos, o investimento de Neeleman e sócios na transportadora portuguesa deve incidir fortemente no mercado de aviação brasileiro e continental. “Criou-se um alinhamento astral espetacular”, diz Gianfranco Beting, um dos fundadores e ex-diretor de marketing da Azul, atualmente consultor da empresa em Miami. “A TAP voa de 12 cidades brasileiras para a Europa e a Azul conecta mais de 100 cidades em todo o Brasil com 900 voos diários. É fácil imaginar quantos passageiros vão chegar aos pontos de embarque da TAP, de norte a sul do país, voando pela Azul.”

O engenheiro aeronáutico Victor Rafael Celestino, ex-executivo de empresas como TRIP e Azul e ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil, hoje consultor em Brasília, concorda que o nome do jogo é conectividade. “A TAP é dona de quase um terço do tráfego aéreo entre o Brasil e a Europa, ou seja, tem o dobro de passageiros da TAM nesse mercado, e continua expandindo suas bases no Brasil”, diz. “E como a Azul já está voando para os Estados Unidos e tem agora a parceria com a United, cria-se uma triangulação que dá densidade à malha e otimiza a utilização das aeronaves.” Segundo revelou o próprio Neeleman, nos últimos tempos 40% da receita da TAP vinha do mercado brasileiro.

A Azul não participa, ainda, de nenhuma das principais alianças globais de companhias aéreas — Star Alliance, OneWorld, Sky Team — mas via TAP e United já vislumbra botar um pé na Star Alliance, onde as duas são membros de pleno direito. Por enquanto, a brasileira na aliança é a Avianca Brasil, do mesmo grupo Synergy dono da colombiana Avianca International, que perdeu a disputa pela TAP para Neeleman e sócios. “Não há player global na aviação que não faça parte de uma das alianças internacionais”, diz Celestino. Por aí também se explica o interesse de Neeleman na TAP. Se entrar nesse clube, a Azul terá oportunidade de fazer voos em code share com outras importantes companhias internacionais que dele participam — Swiss, Singapore, Air China, South African, dentre muitas —, além de compartilhar com elas os respectivos programas de milhagem. Aliás, em pouco tempo, quem voar TAP ou Azul já poderá pontuar indiferentemente no programa Victoria, da TAP, ou no Tudo Azul, o programa de milhas da companhia brasileira.

Para dar sua tacada europeia, Neeleman teve de garantir ao governo português que não fará demissões na TAP e manterá Lisboa como hub da companhia por, pelo menos, 30 anos. Como o excesso de pessoal é, juntamente com a frota envelhecida, um dos principais problemas da empresa agora privatizada, qual será a solução? “Crescer”, responde Neeleman. Como? Com a compra de 53 novos aviões, o redesenho das rotas e implacável eficiência na gestão.

A TAP tinha encomendados 12 aviões A350, novo modelo wide body da Airbus com capacidade para até 350 passageiros. É o jato mais moderno da fabricante europeia, que divide com a americana Boeing o mercado global de aviões de passageiros de grande porte e longo curso. O A350 começa agora a ser entregue às empresas que o encomendaram. Mas só é rentável se voar lotado em rotas intercontinentais. A compra foi cancelada por Neeleman e, no lugar deles, a nova TAP privatizada receberá 14 A330-900neo, uma versão repaginada do atual cavalo-de-batalha da Airbus para as rotas internacionais. Um pouco menores que o A350 e equipados com turbinas modernas e melhoramentos diversos, os econômicos A330neo são capazes de voar de Lisboa a Buenos Aires ou Los Angeles com boa rentabilidade. Serão complementados por 39 novos A320 e A321, com custo por assento igualmente baixo. Os A321, como os A320, têm um corredor só, mas podem voar de Lisboa para o Nordeste brasileiro e, nos Estados Unidos, podem chegar até Washington, Boston ou Chicago.

“Essa é uma receita que Neeleman já aplicou outras vezes e sempre funcionou: uma injeção de caixa rápido para fazer a virada da empresa”, diz Victor Rafael Celestino. Nesse caso, a injeção será de quase 600 milhões de euros, segundo detalhou o próprio Neeleman. Serão 345 milhões de dinheiro fresco até 2016 e mais 250 milhões até 2017 em PDPs (pre-delivery payments) para os novos aviões.

A nova TAP fará Portugal ser a porta da Europa, como no tempo dos descobrimentos

Neeleman — que nasceu em São Paulo de pais americanos, mas foi morar nos Estados Unidos aos 5 anos de idade — teve de gastar seu simpático português com sotaque gringo para convencer os sindicatos portugueses de que a TAP privatizada protegerá melhor os empregos que o falimentar dinossauro estatal. Teve sucesso. Com os banqueiros, a conversa foi mais fácil: “Todos concordaram que a privatização era o melhor caminho”, diz Neeleman. E as linhas de crédito e financiamento foram rapidamente aprovadas.

Resta uma incógnita de fundo político. O Partido Socialista, de oposição, que reza pela cartilha protossoviética da economia controlada pelo Estado, ameaça cancelar a venda da TAP se ganhar as eleições parlamentares programadas para o início de outubro. É comum ver cartazes do chamado Bloco de Esquerda com os dizeres: “Um país não se vende. A todos o que é de todos”. Humberto Pedrosa, presidente do grupo luso Barraqueiro e sócio de Neeleman na nova empreitada, esbanja confiança: “Mesmo que venha um novo governo, tenho a certeza de que vai aprovar o nosso projeto”, disse em Lisboa. Bem, as urnas ainda falarão e, de todo modo, esse é outro assunto.

A parceria com a TAP poderá abrir para a Azul as portas da estratégica Star Alliance

“OI, GEEENTE!”. O estilo é inconfundível. Quando David Neeleman toma a palavra em público, parece o início de um programa de auditório. Parece. Quebrado o gelo, em poucos segundos ele está falando de negócios, números e estratégia com o entusiasmo de um jovem criador de startups. Como a imensa maioria dos americanos (ok, brasileiros-americanos) que viajam pelo mundo, nunca tinha passado por sua cabeça conhecer Portugal, mesmo que a distância entre Lisboa e Nova York seja a mais curta entre a Europa continental e os Estados Unidos. Mas quando decidiu que a compra da TAP poderia ser um bom negócio, pegou um avião (da TAP) em Miami e voou para Lisboa.

Como a empresa portuguesa voa para duas cidades americanas (a outra é Nova York) e Neeleman desconfia que pode voar para mais meia dúzia, já na fila do controle de passaportes em Lisboa começou a interrogar passageiros americanos sobre o motivo da viagem de cada um e o que os motivaria a voltar. Em Portugal, enquanto conversava com os sócios, pegou voos internos para conversar pessoalmente com os tripulantes e passageiros e ver de perto cada detalhe dos aviões e do serviço de bordo. No Porto e em Lisboa, zanzou nos balcões de check-in da TAP apresentando-se e fazendo perguntas aos funcionários e passageiros.

“Na aviação, se você não tem uma equipe motivada, entusiasmada e acolhedora, não há como encantar o cliente”, disse à PIB um consultor da área. Time motivado é uma parte da receita de Neeleman. No dia em que assinou o contrato em Lisboa, os funcionários da Azul em Viracopos foram levar snacks do serviço de bordo da empresa brasileira para oferecer aos colegas da portuguesa, todos agora com o mesmo patrão.

A receita de Neeleman inclui, também, voar com aviões novos, de tamanho adaptado às rotas, em geral destinos alternativos aos grandes hubs. Por voar com jatos novos da Embraer, de 90 ou 100 lugares, para lugares como Passo Fundo (RS), Dourados (MS) ou Tabatinga (AM), a Azul tem conseguido operar, de modo econômico, com taxa de ocupação acima de 80%, média considerada rentável no mercado. Para atender o mercado do Nordeste brasileiro e a Costa Leste dos Estados Unidos, a TAP vai usar novos Airbus 321, aviões de um só corredor, menores e bem mais econômicos que os A330, mas capazes de fazer voos transatlânticos na versão LR (long range).

Em vez de voar de Lisboa para Boston, aeroporto caro e congestionado, Neeleman disse que estuda chegar a cidades próximas, como Portland e Providence, núcleos da colônia portuguesa nos EUA. No Cabo da Roca, a poucos quilômetros de Lisboa, uma placa de mármore registra o verso de Camões que celebra o extremo ponto ocidental europeu: “Onde a terra se acaba e o mar começa”. Para Neeleman e suas companhias aéreas, ali começa o mundo.

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