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Crise é oportunidade - 28/06/2018
O cônsul Dennis Hankins vai deixar o Brasil em julho, depois de três anos à frente da representação em São Paulo. De seu posto de observação das relações comerciais e econômicas entre os dois países, ele leva a impressão que elas continuam se desenvolvendo — apesar dos soluços conjunturais — e dependem, cada vez menos, dos dois governos. Cada vez mais, diz ele, empresas e investidores brasileiros buscam o mercado americano por conta própria, bem como turistas e estudantes universitários (e vice-versa). Ainda assim, muito pode ser feito para facilitar os contatos. Por exemplo: finalizar o acordo de céus abertos, que multiplicaria as viagens aéreas entre os dois países (mesmo sem o acordo, novas rotas para Boston e Las Vegas estão em estudo). O espaço para novos entendimentos foi reaberto após o encontro recente da presidente Dilma Rousseff com o presidente Barack Obama durante a Cúpula das Américas, na Cidade do Panamá, em meados de abril. Na ocasião, anunciou-se que a presidente brasileira visitará os Estados Unidos em junho, pondo fim à crise desencadeada pela revelação de que estava entre as personalidades vigiadas pela agência de espionagem eletrônica dos EUA, a NSA. Hankins teve seu primeiro posto diplomático no Brasil em 1985, no Recife. O país que encontrou, mergulhado na hiperinflação, mudou muito, ele observa nesta entrevista à PIB no Consulado, na zona sul de São Paulo: a mortalidade infantil caiu para um terço do que era e a expectativa de vida aumentou 15 anos. “Numa visão ampla, o país está significativamente melhor”, ele afirma. A seguir, os principais tópicos da entrevista.

Empresas americanas e a crise no Brasil

Eu tendo a ser otimista quando olho para onde estava o Brasil em 1985 e onde está hoje. É, certamente, um período difícil. Você tem todos estes ventos contrários neste exato momento. Mas muitas empresas americanas dirão que é exatamente em épocas de crise que surgem oportunidades. Com o dólar a 3 reais, acredito que empresas americanas irão às compras. Temos uma longa presença no Brasil. O Citibank comemora, neste ano, 100 anos no Brasil. A General Motors acabou de comemorar 90 anos. Há empresas como IBM, 3M… A primeira vez que elas deixaram os Estados Unidos foi para se instalar no Brasil. Temos uma longa história de negócios com o Brasil. Nossas empresas passaram por todas as diferentes fases da história do Brasil no decorrer de um século, portanto, elas podem pensar no longo prazo. Elas sabem que os próximos dois anos serão muito difíceis, mas no fim surgirá, provavelmente, um melhor sistema de negócios no Brasil. Será melhor do que hoje. Muitas empresas americanas estão tendo de decidir: “Ficamos para o longo prazo?” É claro que todas elas sabem que o Brasil é a sétima economia no mundo. O país tem 200 milhões de consumidores. Você não deixa uma economia onde acabou de entrar só porque está tendo uma fase difícil, assim como as empresas brasileiras também não desistem.

Oportunidades de negócios

Empresas americanas de construção civil, na maior parte das vezes, não trabalham no exterior. Nós fornecemos sistemas, gestão. Não construímos nenhum dos estádios da Copa do Mundo, mas fizemos muito em termos de sistemas de segurança, iluminação e toda a tecnologia por detrás da cena. As empresas americanas se deram muito bem com a Copa do Mundo. Já em relação à Olimpíada, faremos a parte da área de comunicações, segurança e tudo o mais — os subcomponentes. Geralmente você não vê empresas americanas de construção aqui e, num certo sentido, o Brasil realmente não precisa delas. Por exemplo, a Odebrecht está construindo aeroportos em Miami. Existem algumas áreas de expertise em que o Brasil é perfeitamente competitivo no exterior. Se você olhar para a balança comercial de nossos dois países, é interessante ver questões-chave em que nossas economias são complementares. Um dos maiores itens de exportação do Brasil para os Estados Unidos são aeronaves (de porte médio, da Embraer). E um dos maiores itens de importação dos Estados Unidos para o Brasil são aeronaves (de grande porte, da Boeing). Nichos diferentes, áreas diferentes.

O desafio chinês

A China é, certamente, o maior parceiro comercial do Brasil, mas é uma economia diferente, com um tipo de comércio diferenciado. Veja a pauta de exportações brasileiras para a China; praticamente tudo é commodity e produtos não acabados — minério de ferro, soja, tabaco e algodão. Em termos de exportação para os Estados Unidos, segundo o Departamento de Comércio americano, 80% das exportações brasileiras são compostas de 1,5 mil produtos diferentes. Nós nos tornamos os maiores importadores de produtos manufaturados brasileiros no ano passado. São aeronaves, aparelhos, subcomponentes. Há empresas em Santa Catarina que fabricam compressores que estão em praticamente todas as geladeiras americanas. Somos o número 2 em termos de valor absoluto, mas em termos de valor adicionado existem muitas oportunidades acontecendo nas duas direções.

Um relacionamento sofisticado

Empresas americanas investem em praticamente todo o setor que se possa imaginar no Brasil. O Departamento de Comércio costuma listar cinco áreas que, a seu ver, são importantes para análise de investidores americanos, mas no Brasil devem ser mais de 30. Realmente, abrangem todos os setores da economia. Desde que cheguei aqui, há cerca de três anos, vi muitos investimentos no agronegócio. Foram investimentos grandes, mas também acompanhei a vinda de empresas ao país para comprar universidades, serviços de saúde, seguros — uma gama inteira de negócios na economia.

Empresas brasileiras nos EUA e em outros países

O Brasil foi, no ano passado, o nono maior investidor nos Estados Unidos. Temos assistido a um aumento de 20% do investimento brasileiro nos Estados Unidos a cada ano. Alguma parte disto reflete os setores nos quais os brasileiros enxergam as melhores chances de lucro. Existem, agora, cerca de 100 empresas brasileiras que são multinacionais. Para ser uma multinacional americana, não é possível estar ausente do mercado brasileiro. Da mesma forma, as empresas brasileiras que estão agora se tornando multinacionais também se dão conta de que precisam estar no mercado americano. Existem algumas empresas que se deram extremamente bem. A JBS começou a comprar empresas de alimentos americanas em 2008, e até 2014 tinha se tornado a maior produtora de carnes dos Estados Unidos. Nós temos orgulho do nosso fazendeiro texano, mas o maior produtor de carne nos Estados Unidos, hoje em dia, não é um texano, mas sim um brasileiro. Uma empresa como a Gerdau tem cerca de 90 instalações nos Estados Unidos. Você também tem empresas menores que estão começando a ter uma presença lá. Franquias como a Giraffas estão encontrando oportunidades. Empresários de setores variados estão investindo. Fizemos um cálculo com a Câmara de Comércio Americana quando promovemos, há sete meses, o primeiro seminário sobre como investir nos Estados Unidos. Pensamos que teríamos, talvez, umas 60 empresas; tivemos mais de 200 e uma lista de espera de 150 pessoas. Para o grande evento da reunião de cúpula sobre investimento nos Estados Unidos — SelectUSA Investment Summit —, Washington nos disse para tentar encontrar 25 empresas e conseguimos mais de 50. O Brasil foi uma presença importante neste evento que trata de oportunidades de investimentos ocorrido em março (veja nota na seção Antena).

Como fomentar os negócios entre Brasil e EUA

Este é um relacionamento em crescimento. Temos um pouco mais de 100 bilhões de dólares em termos de bens e serviços. Isso é importante e significativo em ambas as direções, mas estamos falando da maior economia na América do Norte e da maior economia na América do Sul. Cem bilhões de dólares equivalem a um quarto de 1% do comércio mundial e poderia, obviamente, ser muito maior. Existem oportunidades em ambas as direções. Estamos satisfeitos por ter um superávit em relação ao Brasil, mas ficaríamos muito felizes em ver este volume crescer em ambos os lados. O encontro entre o vice-presidente (Biden) e a presidente (Rousseff) no dia em que assumiu a Presidência foi a peça central (para um relacionamento mais próximo). Aquele encontro mostrou como ambos os países estavam dizendo: “Vamos levar este nosso relacionamento adiante”, e sabemos que as trocas comerciais são uma importante parte disto. O ministro brasileiro do Comércio foi o primeiro a visitar os Estados Unidos (depois do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff). Ele teve uma excelente visita e falou sobre as oportunidades comerciais. Estamos presenciando o diálogo econômico recomeçar.

O menor papel do governo nas relações entre os dois países

Nosso CEO Fórum não se reúne há algum tempo, mas um encontro está marcado para junho, quando haverá a reunião de várias empresas. Muito do que fizemos para melhorar a situação dos vistos teve origem neste CEO Fórum há três anos. Dobramos o tamanho do consulado e fizemos muitas mudanças nos processos. Uma coisa que eu sempre observo neste grande e sofisticado relacionamento é o grau com que a Casa Branca, o Departamento de Estado, o Planalto e o Itamaraty conduzem as relações EUA—Brasil. Temos um importante papel, mas não acredito que seja mais que 10% dessas relações. Empresários americanos e brasileiros não saem correndo atrás de nós dizendo que estão à procura de um parceiro comercial. Eles os encontram por seu próprio esforço. Os 2 milhões de brasileiros que visitam os Estados Unidos todos os anos não fazem isso porque os convencemos, mas porque eles queriam viajar. Temos centenas de intercâmbios universitários. Sempre me surpreendo em saber a grande quantidade de estudantes americanos no Brasil.

A necessidade de reduzir tarifas agrícolas

Estamos progredindo. Fechamos a questão do algodão, uma disputa que se prolongava havia quase uma década. O Ministério da Agricultura americano tem agora uma declaração pública sobre regulações que diz que vai abrir o mercado para carne in natura. Isso interessa a ambos os países. O Brasil já é o maior produtor de soja, e a expectativa é que nos próximos 15 anos se torne o maior produtor mundial de alimentos. Prestamos atenção na segurança alimentar no mundo. Para os Estados Unidos, segurança alimentar significa fornecer alimentos para uma população mundial em crescimento. É aí que realmente vemos o Brasil como um parceiro estratégico, já que a maior parte deste fantástico crescimento agrícola está acontecendo aqui. O grau de troca agrícola entre Estados Unidos e Brasil é ainda relativamente pequeno, considerando nossos mercados mundiais, e nós temos a vantagem de estar nos hemisférios Norte e Sul. Vocês estão colhendo enquanto nós estamos plantando e vice-versa. Portanto, realmente não entramos em competição direta porque estamos em ciclos diferentes. Grande parte do setor agrícola brasileiro é, na realidade, americano por causa de investimentos. É isso que torna a distinção entre as nossas indústrias agrícolas meio imprecisa, pois temos mútuos investimentos em ambas as direções.

Cooperação na indústria aeroespacial

Na área de Ciência e Tecnologia, muita coisa acontece independentemente de nós. Existem algumas áreas-chave. Nosso diálogo na área de aviação continua, e muito dele está focado em combustível biológico para jatos, que é praticamente uma nova indústria para o mundo inteiro. É uma alternativa de combustível renovável. Atualmente, o combustível vem basicamente do petróleo. A Boeing e a Embraer abriram uma instalação conjunta de pesquisa recentemente usando o combustível biológico disponível aqui. Algumas empresas americanas estão envolvidas, como a Amyris, sediada em Brotas (no estado de São Paulo). É uma empresa da Califórnia que usa bioengenharia para converter produtos. Temos algumas empresas de biotecnologia que estão fazendo investimentos aqui no Brasil.

Crise hídrica

O governo brasileiro pediu a alguns países que analisassem a crise da água no Brasil, já que pode afetar a geração de energia hidroelétrica e as possibilidades tecnológicas à frente. Ao mesmo tempo, já levamos organizações daqui para os Estados Unidos para observar a distribuição elétrica e como ter uma melhor conservação no estado de São Paulo e na cidade de São Paulo, mais especificamente. Também estamos observando os projetos hídricos. Esta é uma área de orgulho, já que o Brasil tem 80% da capacidade hidrelétrica. Isto é fantástico quando existe a chuva, mas acho que o Brasil está reconhecendo, em decorrência do enorme crescimento da economia, que a demanda e a expansão da classe média certamente excederam sua capacidade de se manter. Estamos trazendo um palestrante de São Francisco para falar sobre coisas muito práticas que estão sendo feitas para enfrentar uma enorme seca que ocorre na Califórnia. Eles já estiveram aqui anteriormente trabalhando no âmbito do estado. Quando eles estiveram com a Sabesp, apresentaram algumas ideias usadas na Califórnia, mas disseram que não tinham pensando em outras. É uma troca, pois tanto os Estados Unidos como o Brasil estão enfrentando desafios comuns.

Gás de Xisto

Ao mesmo tempo, trouxemos uma delegação ao Rio de Janeiro, no ano passado, para observar combustíveis convencionais e alternativos, como o gás de xisto. O estado do Paraná enviou algumas autoridades aos Estados Unidos para observar leilões de reservas de gás de xisto. Nós estamos acompanhando para ver aonde vai chegar. Mas acredito que quando pensamos em energia, seria com a ideia de criar uma matriz mais ampla para o Brasil. É fantástico se você puder fornecer 80% de eletricidade com hidroelétricas, a energia mais limpa que se pode ter, mas você tem de estar preparado; se tiver um período de chuvas ruim existem outras coisas que podem ser feitas. Eu acho que o Brasil também está analisando a capacidade estratégica de mudar entre diferentes fontes de energia.


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