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Qualidade reconhecida - 28/06/2018

A cachaça, sem dúvida, é a principal e a mais original contribuição nacional para a adega global.

O destilado de cana-de-açúcar está para o país assim como os vinhos, em geral, em relação à França.

Com base em tais parâmetros do imaginário coletivo, deste e do outro lado do Atlântico, é difícil imaginar uma “marvada” ou, ainda, uma caipirinha à francesa.

A recíproca, contudo, não é verdadeira. Os brasileiros – mais especificamente os gaúchos – vêm conquistando valiosos pontos na praia dos espumantes, ou seja, nas versões genéricas, por assim dizer, do mais fino vinho de origem gaulesa, o champagne.

“A Serra Gaúcha tem condições favoráveis para o cultivo de uvas chardonnay e pinot noit voltadas para a produção de espumantes.

Estamos à frente de outras regiões do planeta no que diz respeito ao terroir, ou seja, solo e clima”, comenta Luciano Vian, presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE).

O principal diferencial, segundo especialistas, é a umidade local, que
reduz os teores de açúcar e acentua a acidez das uvas. “O espumante brasileiro é fresco, fino, elegante.

É o melhor do novo mundo”, emenda Vian. Os resultados obtidos, já há um bom tempo, pelas vinícolas nativas em concursos internacionais endossam tal análise.

No Effervescents du Monde, uma espécie de campeonato mundial dos vinhos borbulhantes, o Brasil soma 20 medalhas de ouro e 64 de prata desde 2004.

Só come poeira, para valer, dos franceses, os inventores da bebida (veja boxe na pág. 54). De resto, aparece no vácuo das cavas espanholas, na briga por um lugar no pódio da competição, e acumula voltas de vantagem sobre alguns gigantes na seara dos chamados vinhos tranquilos, ou seja, tintos, brancos e rosés convencionais.

São os casos de Argentina (4 de ouro e 13 de prata, em igual período), Alemanha (3 e 9) e Nova Zelândia.

Nada menos que 25 produtores nacionais, todos gaúchos, conquistaram medalhas na competição francesa desde 2005.

A maior façanha foi alcançada na temporada passada pela Vinícola Campestre, de Campestre da Serra.

Elaborado pelo método charmat, com fermentação em tonéis de aço inoxidável, seu Brut Zanotto (chardonnay) foi considerado um dos dez melhores espumantes do mundo, conquista inédita para o país.

“O vinho tem intensidade de cor, de palha para dourado, borbulhas finas e aroma cítrico. Seu sabor é marcante e persistente na boca”, define André Donatti, enólogo da empresa há sete anos.

Até o início da década passada, a Campestre dedicava-se apenas a sucos de uva e fermentados da mesma fruta de apelo popular, ou seja, vinhos de mesa.

Na virada do século, os controladores começaram a planejar a sofisticação da linha.

A produção de vinhos finos deu a partida em 2003 e a de espumantes, dois anos à frente.

Em 2005, tintos e brancos começaram a colecionar prêmios internacionais em concursos na França, Itália, Argentina e nos Estados Unidos, entre outros países.

Já os espumantes mostram serviço desde 2009, quando o Zanotto Moscatel conquistou uma medalha de prata no Vinandino, na Argentina, feito repetido pelo Brut no Effervescents du Monde.

A dupla segue fazendo sucesso. No início de agosto, colheu duas de ouro na 11ª edição do Vinus, em Mendoza, a capital argentina e mundial do malbec.

Animada com os bons resultados, a Campestre já pensa em reforçar o fornecimento de uvas chardonnay e moscatel para alavancar a produção de seus borbulhantes, hoje na casa de 50 mil litros ao ano.

Tudo com o intuito de abastecer os sedentos consumidores locais. “A participação em concursos no exterior é uma forma de valorizar nossos produtos no mercado interno, onde a demanda é enorme. Exportações não são uma prioridade”, assinala Donatti.

A regra vale para todo o segmento.É compreensível, pois as vendas de espumantes nacionais no país cresceram 41,8% entre 2009 e o ano passado: de 11,197 para 15,879 milhões de litros, segundo o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin).

Superaram com uma folga de 30 pontos o desempenho dos vinhos finos nativos, que saltaram de 18,018 para 20,074 milhões de litros em igual período.

Outro dado relevante: os primeiros dominam sua faixa de mercado, com uma fatia de quase 80%, ao passo que os importados quase dão as cartas na de tintos, brancos e rosés, detendo uma participação de 77%.

“Os brasileiros sabem que o espumante nacional é bom e o consomem. Os números comprovam”, resume Roberta Pedreira, gerente do projeto Wines of Brazil, iniciativa conjunta do Ibravin e da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Como seu nome e a participação da Apex sugerem, o programa é voltado para a divulgação dos vinhos brasileiros no exterior.

A ideia surgiu há 12 anos, na esteira do ingresso do Brasil na Organisation Internationale de la Vigne et du Vin, a ONU do vinho, que franqueou o mercado internacional aos produtores locais. Em 2004, o Wines of Brazil botava seu bloco na rua, com seis vinícolas.

Hoje, são 32 – 25 gaúchas, cinco catarinenses, uma baiana e outra pernambucana. “Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Holanda e China são os alvos prioritários de nossas ações.

Em todas, os espumantes agem como cartões de visita”, explica Roberta Pedreira, gerente do projeto. Volumes e cifras, embora ainda tímidos, encontram-se em curva ascendente. As exportações de borbulhantes saltaram de 199,1 mil litros e 285,5 mil dólares, em 2004, para 353,1 mil litros e 1,645 milhão de dólares no primeiro semestre deste ano.

Mantida a toada, Roberta considera factível projetar vendas externas na casa de 8 milhões de dólares num prazo de dez anos. “Os portos estrangeiros se abriram recentemente para as vinícolas locais, que estão descobrindo os segredos do comércio externo e ainda têm de lidar com a crise na Europa, que é uma grande consumidora de vinhos”, analisa a gerente do Wines of Brazil.

“Uma coisa é certa: temos de apostar em itens de qualidade, pois a nossa capacidade de produção é reduzida. Não vamos competir com vinhos de 1 euro.” Exceção à regra, a Cooperativa Vinícola Aurora, de Bento Gonçalves (RS), vem apostando firme em novas fronteiras.

No primeiro semestre, os embarques da número 1 do país no ranking do Effervescents du Monde (4 medalhas de ouro e 15 de prata) somaram 1,082 milhão de dólares, cerca de dois terços do faturamento total das empresas participantes do projeto tocado pelo Ibravin e a Apex.

Quase metade desse montante – 480,4 mil dólares, na ponta do lápis – foi obtida em um mercado promissor e exigente, a Bélgica, vizinha à região de Champagne, na França. “No total, exportamos 830 mil litros, 53% a mais em relação ao período de janeiro a junho do ano passado”, informa a gerente de marketing Lourdes Conci.

“Os espumantes de uvas moscatel foram o grande destaque, respondendo por quase 92% das receitas.” Em breve, a cooperativa ganhará escala e qualidade com o início da produção de borbulhantes pelo método champenoise (fermentação nas garrafas) à base de uvas chardonnay e pinot noir cultivadas em Pinto Bandeira. O município, que se emancipou de Bento Gonçalves em 2012, ostenta, há quatro anos, uma indicação de procedência (IP) para seus vinhos. Seguiu os passos do vizinho Vale dos Vinhedos (Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul), que obteve sua IP em 2001 e alcançou a denominação de origem (DO) em 2009. “A área tem 24 hectares, dos quais 16 cultivados.

A primeira colheita será realizada entre março e abril do próximo ano”, comenta Lourdes. Com cerca de 3 mil habitantes, a pacata Pinto Bandeira promete disFarroupilha putar com Garibaldi, situada a pouco mais de 30 quilômetros, o título de capital do espumante nacional. A Asprovinho, associação dos produtores locais, tem por meta uma DO só para espumantes champenoises.

Afinal, o terroir local é considerado o mais propício do país e um dos melhores do mundo para a produção da bebida. O responsável pela descoberta foi o enólogo chileno Mário Geisse, que chegou ao Brasil em 1976 com a missão de fazer decolar a operação local da Chandon. “Meu pai queria executar seu trabalho e voltar para o Chile, mas se impressionou com o potencial e a vocação da região”, conta o brasileiro Daniel Geisse, filho do expert.

“Pudera, pois só 5% das regiões viníferas do mundo são 100% apropriadas para espumantes, e Pinto Bandeira figura nesse seleto mapa.” Enquanto prestava serviços para a Chandon, Mário tratou de comprar um lote na localidade.

Lá, começou a fazer experimentos com clones, podas, leveduras e introduziu em território nacional o sistema de condução de parreiras com espaldeiras, que garante uma melhor exposição dos cachos de uva ao sol, em detrimento da produção. Por conta destas e de outras iniciativas, passou a ser chamado de “El loco chileno”.

A suposta insanidade resultou em sua permanência no país e na criação, em 1979, da Geisse, a primeira vinícola nacional voltada, única e exclusivamente, a espumantes de alto padrão. “Demos um novo impulso ao método champenoise, que andava em desuso por aqui.

É um processo que proporciona maior qualidade, sem grande escala de produção”, destaca Daniel. Menos é mais na balança da Geisse. Mário, volta e meia, repete um ditado: “Quem muito abraça, pouco aperta”. Fiel ao estilo, a vinícola, seis vezes premiada no Effervescents du Monde (1 medalha de ouro e 5 de prata), utiliza para o plantio somente 23 hectares de uma área total quase quatro vezes maior. Motivo: o solo em questão, muito poroso, agiliza a drenagem, evitando indesejados acúmulos de água.

Lá, é colhida a BOLHAS matéria-prima para as 230 mil garrafas produzidas a cada ano. “Não dá para crescer mais, mas essa restrição faz parte da nossa filosofia”, observa o diretor de marketing, que não mostra lá muito entusiasmo pelo mercado externo.

“É difícil obter lá fora o mesmo reconhecimento que temos aqui, onde a demanda supera em três vezes a nossa capacidade de oferta. No médio prazo, creio que o máximo que poderemos atingir nas exportações são 8 mil garrafas ao ano para restaurantes e empórios de ponta.” Os bons exemplos de Pinto Bandeira e do Vale dos Vinhedos já começam a fazer escola.

No fim de julho, a Associação Farroupilhense de Produtores de Vinhos, Espumantes, Sucos e Derivados (Afavin), com o apoio da Embrapa Uva e Vinho, solicitou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) a concessão de uma identidade de procedência (IP) específica para vinhos e espumantes à base de uva moscato.

“O projeto começou a ser desenvolvido há cinco anos e está muito bem fundamentado, com delimitação de área, regulamento e informações sobre clima e solo. Outro argumento de peso é a vocação regional, já que Farroupilha é a maior produtora da uva no Brasil”, conta João Taffarel, técnico da Embrapa.

“Acreditamos que em seis meses o Inpi dará o sinal verde.” De olho no processo, a Perini não vê a hora de estourar rojões e, claro, espoucar muitas rolhas em comemoração à IP. Fundada em 1970, a vinícola de Farroupilha acumula, entre outros prêmios, duas meda
lhas no Effervescents (1 de prata e 1 de ouro) e no Muscats du Monde (1 de ouro e 1 de prata).

Suas primeiras bolhas e borbulhas surgiram em 1998. “Logo de cara, lançamos um espumante 100% moscatel. Por volta de 2006, inovamos no segmento com um rosé da mesma uva, o Aquarela”, relembra o diretor de marketing Pablo Onzi Perini. Há pouco mais de um ano, a empresa cruzou o Equador com uma marca desenvolvida para taças estrangeiras.

É a linha Macaw, que contabiliza três tintos (tannat, merlot e cabernet sauvignon) e três opções de moscato, todos direcionados aos bebedores dos Estados Unidos. O lançamento caiu de tal forma no agrado dos norte-americanos que a Perini prepara o lançamento de um novo produto, sob medida para aquele mercado. “É um vinho frisante, um quase espumante.

A diferença fica por conta da pressão do gás: duas atmosferas, ante seis de um espumante convencional”, explica Pablo. Além de prêmios a granel, os borbulhantes brasileiros também colecionam elogios de críticos internacionais. Seus comentários, diga-se, são tão ou mais valorizados do que medalhas em grandes concursos, pois, ao contrário destas, têm o poder de azedar a preferência dos consumidores globais por este ou aquele vinho.

Editor da revista Wine Enthusiast, o norte-americano Adam Strum se tornou um dos primeiros sócios desse clube de formadores de opinião a aplaudir o trabalho executado no Rio Grande do Sul. Em visita ao Brasil, em 2010, o expert comparou o visual da Serra Gaúcha ao da Toscana, na Itália, e, o mais importante, avalizou os vinhos da região – em particular, os espumantes.

“O Brasil pode ser o próximo país emergente da América do Sul a causar um impacto nos Estados Unidos e mercados globais, seguindo os passos dos seus vizinhos mais consagrados, a Argentina e o Chile. As vinícolas locais produzem excelentes merlots, cabernet francs e excepcionais espumantes”, escreveu no artigo “Chile, Argentina e agora o Brasil”, levando os gaúchos a erguerem brindes em agradecimento.


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