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O exemplo vem de baixo - 28/06/2018
O gênio da lâmpada: Prado (no canto) e a Bossa

Janeiro de 2011. De olho nas pernas e no decote da repórter do jornal Correio Carioca, o designer André Gurgel, interpretado pelo ator Lázaro Ramos, apresenta o desenho industrial ao grande público, em horário nobre. Todo atencioso, o dom-juan detalha etapa por etapa do processo da criação – da ideia inicial às pesquisas de materiais e cores, sem esquecer, claro, da preocupação constante com a ergonomia e a praticidade dos objetos. "Depois, vem a melhor parte, né? A melhor parte é quando a fábrica manda o protótipo e a gente vê o resultado", comenta. "Que coisa, né? Quem usa não imagina o trabalho que dá criar uma coisa tão simples..."


O personagem de Insensato Coração, telenovela global assinada por Gilberto Braga, entendia do assunto – e muito, diga-se. Prova disso é que exibia com orgulho no escritório, atrás da mesa de trabalho, um diploma do iF Design Award, o prêmio internacional mais cobiçado na área de projetos (veja quadro na pág. 22). O atestado de competência lhe foi "conferido" tão logo a equipe encarregada da pré-produção da trama soube, por intermédio do laureado projetista Guto Índio da Costa, que o iF é nada mais, nada menos que o Oscar dessa seara.


Ainda à espera de uma estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, os brasileiros, em compensação, vêm mostrando serviço no concurso que reforçou o ibope do simpático e sedutor André. Os primeiros galardões – um aqui, outro acolá – foram obtidos no início da década de 1990. Depois que o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) passou a subvencionar a inscrição de empresas interessadas, em 2004, coleções de iF Awards começaram a ganhar corpo no território nacional. Entre 2008 e 2012, por exemplo, o país marcou presença entre os dez mais premiados – à exceção de 2010, quando amargou a 21ª colocação. De acordo com o International Forum Design (iF), de Hannover, são 234 galardões no total, dos quais sete concedidos a Índio da Costa. No ranking geral da disputa, realizada desde 1953, o Brasil, em curva ascendente, já ocupa o 15o posto, à frente, entre outros, de Bélgica, Noruega, Finlândia, Índia, Austrália e Canadá, que brigam por medalhas há muito mais tempo.


Ponto a favor da indústria nativa, que ganha preciosos pontos no front externo, pois o prêmio germânico – devidamente estampado em catálogos e embalagens de produtos – é um selo de qualidade que abre portas e portos em qualquer canto do planeta. Seus números, contudo, poderiam ser bem mais expressivos. Para liberar o espírito criativo dos empresários locais seriam necessárias, antes de mais nada, políticas públicas mais efetivas de estímulo ao desenho industrial. Foi assim que três colossos asiáticos alçaram voo na tabela de classificação do iF desde o fim dos anos 1980: Taiwan assumiu a terceira colocação, com 1.479 prêmios; a Coreia do Sul, a quinta (1.131); e a China, a sétima (815). "O design virou herói nacional na Coreia", conta Angela Carvalho, vencedora do concurso em 1994, com o ventilador de teto Aliseu, e jurada em quatro ocasiões. "O governo mantém vários centros de desenvolvimento de projetos e as empresas idem, só que em escalas gigantescas."


Os resultados dos sul-coreanos alcançam a mesma proporção. Só a Samsung e a LG detêm, somadas, 564 diplomas do fórum alemão, superando em mais de uma centena as conquistas do Reino Unido. Titãs, aliás, também dominam o cenário em outros pontos do mapa-múndi: no Japão, destacam-se Sony (234) e Panasonic (157); nos Estados Unidos, IBM (211) e Apple (116), e assim por diante. Já no Brasil o exemplo vem de baixo, como pode ser conferido na tabela da pág. 21. Exceto por Itautec e Deca, os bambambãs do desenho industrial pátrio são pesos leves e pesos-mosca. Segundo o Centro Brasil Design (CBD), representante local do iF Award, das 267 empresas inscritas no concurso, entre 2008 e 2012, não mais que um terço tinha porte avantajado. "São os nossos micro e pequenos empreendedores que estão abraçando a cultura da inovação", constata Juliana Buso, coordenadora de projetos do CBD. "As grandes ainda estão mal acostumadas devido ao fechamento do mercado, que vigorou por anos a fio. Muitas produzem bens de consumo que, a rigor, não passam de commodities", reforça Angela.


Até o meio acadêmico – alfinetado, volta e meia, por seu suposto alheamento às necessidades do mundo empresarial – reúne mais condecorações na área do que a maioria das principais corporações verde-amarelas. É isso mesmo: nove instituições de ensino superior, públicas e privadas, abiscoitaram 13 prêmios iF desde 2004. O destaque é a pioneira Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), apontada pela Business Week, em 2007, como uma das 60 melhores do mundo na especialidade. Ligada à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a instituição, que completa 50 anos de atividades neste julho, ostenta três "Oscars" – incluindo um dos cinco Gold Awards concedidos ao país pelo compensado de pupunha, em 2005.


Com 43 anos de Esdi, quatro como aluno e o restante como professor, Freddy von Camp atribui tais reconhecimentos ao talento e à dedicação de ex-alunos, que contaram com o apoio da instituição. No caso do compensado de pupunha – desenvolvido por Cláudio Ferreira e Thiago Machado Maia –, a escola cedeu suas instalações para a montagem de uma microempresa e arcou, entre outros, com os custos de Sedex, para viabilizar a inscrição do material na competição alemã. "O Brasil conta com cerca de 700 cursos superiores de Design, marca que só é superada pela China. Temos boas escolas em todo o território nacional", afirma o mestre, que dirigiu a Esdi por duas vezes.


Se o ensino é bom, se a criatividade, ao que tudo indica, é uma virtude inata do "homo brasiliensis", por que diabos, então, a maior parte das grandes companhias domésticas continua a ignorar o design? Para von Camp, o fenômeno é fruto de um círculo vicioso alimentado pela acomodação do empresariado, ainda saudoso dos tempos em que copiava ideias e formas estrangeiras, e a resistência dos engenheiros – os quais, cutuca, "pensam que sabem projetar". A regra, ressalva, não vale para todos os segmentos. "O Brasil é líder mundial em patentes de fechos de garrafas térmicas", cita. "O design também é levado muito a sério pelas montadoras, que contam com equipes altamente capacitadas. Tanto é que a General Motors desenvolveu aqui o Meriva, hoje também produzido em outros países; e a Volks criou, na Alemanha, um departamento especializado em veículos pequenos composto 100% de designers brasileiros."


Outros que destoam da mesmice são os fabricantes de móveis de Bento Gonçalves (veja quadro na pág. 26) e o setor de iluminação – em particular os produtores de abajures e luminárias. A iniciação dessa turma teve início há 40 anos, quando o Sindicato da Indústria de Lâmpadas e Equipamentos Elétricos de Iluminação no Estado de São Paulo (Sindilux) passou a organizar consórcios de exportação para seus afiliados – empresas de menor porte, em sua maioria. "Nessa empreitada, participamos de várias exposições no exterior e começamos a reparar nas características dos desenhos nacional e internacional", recorda Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux). "Tempos depois, assumi uma empresa nos Estados Unidos e tive de recorrer a designers norte-americanos para garantir espaço no mercado local. Concluí, então, que o nosso setor precisava melhorar seus projetos."


A solução surgiu em 1994, com a criação do Prêmio Abilux Design de Luminárias. A iniciativa teve tanto sucesso que ganhou uma extensão para projetos de iluminação, dez anos à frente. Em sua última edição, a versão mais antiga da dupla registrou o recorde de 147 produtos inscritos. "Todos os 40 vencedores são automaticamente inscritos no iF Award", assinala o dirigente, que se revela um militante dos mais radicais da causa. "Se você não tem bom design, não tem qualidade."


Não foi por acaso, portanto, que as associadas da Abilux se tornaram a ponta de lança do desenho industrial brasileiro. Doze empresas do segmento amealharam 28 diplomas do International Forum Design e já fazem festa, também, em outras competições de prestígio mundo afora. A mais bem-sucedida do grupo é a Lumini, que acumula, entre outras façanhas, 12 prêmios iF, dos quais três de ouro. A empresa abriu as portas em 1979 com o objetivo de desenvolver projetos de iluminação para a arquiteta Esther Stiller, que se tornou sócia do empreendimento, em parceria com o marido, Antônio Pedro Gutfreund, e dois amigos do casal. A guinada rumo às luminárias, hoje responsáveis por 50% das vendas do negócio, ocorreu na virada do século e deu algum trabalho, pois à época Esther já havia se lançado em uma carreira-solo. "Precisávamos de um designer criativo e resolvemos apostar em um ex-estagiário que executava alguns trabalhos sob encomenda para a gente. Era o Fernando Prado, nosso atual diretor de criação", conta o diretor de marketing Ricardo Gutfreund, filho de Esther e Antônio.


Hoje à frente de uma equipe de seis profissionais, Prado deu conta do recado com sobras. Filho do arquiteto Eurico Prado Lopes, coautor do Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, ele venceu seu primeiro iF em 2004, com o spotlight Giro. A consagração veio na temporada seguinte, quando trouxe para o país um, até então inédito, Gold Award, com a linha de teto Luna. O ex-aprendiz de feiticeiro, que trabalhou durante cinco anos no escritório de Esther Stiller, só guarda uma frustração em sua já longa trajetória na Lumini. "Em 2012, ficamos de fora do iF Award, pois a Lufthansa atrasou a entrega dos dois produtos inscritos. Em compensação, ganhamos o Good Design e o German Design Award com um deles, a luminária Vinte2", conta.


Com um nome a zelar no cenário internacional, a Lumini não dá sorte para o azar. Ciente de que a qualidade e os prazos de fornecedores domésticos deixam a desejar, a empresa verticalizou praticamente todo o seu processo de produção, incluindo pintura, metalurgia, estamparia, montagem, instalação e até mesmo o desenvolvimento das placas de LED, que estão ditando a aposentadoria das lâmpadas incandescentes. Por cautela, a indústria paulistana, sediada em uma ilha no Rio Pinheiros, também recusou propostas de licenciamento de seus produtos para estrangeiros. "Resolvemos explorar o mercado externo por conta própria", diz Gutfreund.


Da carteira de exportações constam 27 destinos, entre os quais Suécia, Bélgica, França e Alemanha. As vendas ao exterior, contudo, representam só 5% do total. O baixo volume é fruto da opção preferencial pelo mercado interno, que se encontra muito aquecido, e da disposição de não queimar etapas, e o filme, lá fora. "Depois do primeiro iF, imaginamos que passaríamos a despachar contêineres recheados de luminárias para o mundo todo", recorda o executivo. "Só que descobrimos que os prêmios são apenas um dos fatores para o sucesso além das fronteiras. Tudo começa com um bom produto, mas você também tem de contar com logística, preço, adequação a normas técnicas, prazos de entrega, divulgação etc. É preciso ter calma e planejamento."


Concorrente da Lumini, a Light Design seguiu pelo mesmo caminho seguro e conquistou, além de bons negócios no exterior, até um sócio europeu. Criada há 39 anos pelo lighting designer Nils Ericson, filho de suecos, a firma trocou o Rio de Janeiro natal por Recife no início da década de 1990. Começou, então, a montar showrooms pelo país – um em Pernambuco, outro em Brasília e um terceiro em Campo Grande. Por volta de 2001, participou da Expolux, principal feira nacional do setor, e viu filas de interessados se formar à sua porta. Tal oportunidade de expansão não foi desperdiçada. "Hoje, contamos, além de lojas próprias, com cerca de 25 licenciados e 12 franqueados – 11 no Brasil e outro em Lisboa", relata Marco Caetano, assessor de marketing.


A "descoberta" de Portugal, em 2009, teve como ponto de partida a captura, no ano anterior, de três iF Awards. Concluída a travessia do Atlântico, não demorou muito para que as premiadas coleções Arind, Inside e Orus passassem a chamar a atenção de consumidores e empresários lusitanos. Resultado: há 12 meses, a Light Design teve 50% de seu capital adquirido pela Exporlux, de Águeda, especializada em grandes projetos de iluminação. "Nossas luminárias passaram a ser fabricadas por lá, com uma ou outra adaptação", conta Caetano. "É um casamento perfeito. Temos tradição e know-how em produtos para restaurantes, residências, lojas e halls de entrada que se encaixam como luvas nos trabalhos desenvolvidos pela Exporlux."


A terra de Camões também figura nos planos da Riva Metais, de Caxias do Sul (RS). Ainda sem representante no exterior, a indústria de utensílios de mesa e cozinha conversa com candidatos portugueses, franceses e libaneses para preencher o posto. Com o reforço em campo, a meta é quadruplicar, de 10% para 40%, a participação das exportações no faturamento, atualmente na casa de 15 milhões de reais, nos próximos quatro anos. Suas investidas pelo mundo, que começaram no fim do século passado, ganharam novas perspectivas a partir de 2006, quando recebeu o primeiro iF Award, pelo saleiro e o pimenteiro Murazzo. Desde então, a empresa passou a colecionar troféus: quatro Red Dot, três Good Design e outros três prêmios do International Forum Design. "Hoje, temos mais de 400 clientes em quatro continentes", orgulha-se o designer-chefe e controlador Rubens Simões. "Para atender todos esses mercados contamos com um depósito em Milão, que responde por 30% das entregas internacionais."


Ex-campeão de surfe, este carioca boa-praça abraçou o ofício por influência do pai, Roberto Simões, que emprestou seu nome à conhecida rede de lojas de presentes, com 13 pontos de venda espalhados por cinco estados. De tanto lidar com faqueiros, panelas, fruteiras, jogos de chá, bandejas e jarras, Rubens tomou gosto pelos objetos metálicos. Tão logo retornou de uma temporada nos Estados Unidos, resolveu produzir um porta-talheres, incentivado pelo "velho". Foi buscar ajuda em Caxias, um respeitado polo metal-mecânico. "Eu já conhecia a cidade, pois acompanhava meu pai em viagens de negócios", conta ele. "Visitei oficina por oficina antes de bater o martelo. O esforço valeu a pena, pois os produtos fizeram sucesso nas lojas da família."


A Riva surgiu no mapa do design brasileiro há 25 anos, logo após a bem-sucedida experiência. De início, seu fundador pretendia terceirizar a produção em terras gaúchas e controlar a operação do Rio. Acabou mudando de ideia e se mandou de mala e cuia para o sul. Investiu em maquinário, ganhou um espaço no Polo Industrial de Caxias e tratou de ampliar o leque de produtos, que já soma mais de 500 itens. E continuou, claro, a seguir as lições do "seu" Simões. "Feiras e exposições entraram na minha corrente sanguínea, pois meu pai me levava a muitos eventos", diz Rubens, que dá algumas dicas. "No exterior, é mais produtivo levar poucas e boas peças para os estandes, ao passo que por aqui você tem de apresentar tudo o que tem."


Tal e qual o "metaleiro" da Riva, o paranaense Eduardo Queiroz cruzou o território nacional em busca das melhores condições de temperatura e pressão para o seu negócio. Na virada do século, ele desembarcou em Maceió, onde lançou a pedra fundamental da Fibratom, voltada para a fabricação de pastilhas de revestimento feitas de fibra de coco, matéria-prima abundante na capital alagoana e arredores. O empreendimento prosperou rapidamente, com a produção atingindo picos de 4 mil metros quadrados por mês. Seus 115 funcionários trabalhavam duro para abastecer lojas de decoração no sul do país. "Participamos de feiras nos Estados Unidos e na Europa e, logo em seguida, começamos a exportar. Foi aí que o bicho pegou", conta Queiroz.


A fera em questão tinha formas de dragão. Eram chineses que, ao serem apresentados à curiosa invenção brasileira, resolveram "reproduzi-la" em larga escala – sem pagar um centavo de royalties, claro. Encomendaram cocos na Malásia, colocaram as máquinas em funcionamento e tomaram conta do mercado mundial. "Além dos produtos, eles chegaram a copiar até imagens do meu site para vender o seu peixe, ou melhor, suas pastilhas", revela o empresário, que não teve opção a não ser cortar custos de forma dramática. "A equipe foi reduzida para 22 pessoas."


Apesar do baque, Queiroz não jogou a toalha. Fiel ao coco, ele tirou da cartola uma dupla de coelhos que acabou premiada nas duas últimas edições do iF Award, o Babylon Garden e o Favo Verde. O primeiro lembra uma estante com vasos de material sustentável – fibras do fruto do coqueiro ou plástico reciclado – no lugar das prateleiras. "É um canteiro vertical que viabiliza a produção em grande escala de alimentos no meio urbano. Num terreno de 100 metros quadrados, é possível cultivar vegetais que, se plantados no solo, ocupariam uma área cem vezes maior", explica o criador.


Já o Favo Verde, condecorado com uma medalha de ouro na competição germânica, pretende dar um ar mais bucólico às metrópoles. Com um conceito semelhante ao Babylon, a novidade permite o revestimento externo de edifícios com tapetes vegetais. "A ideia surgiu quando eu estudava na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo", recorda o titular da Fibratom. "Fiquei impressionado com a poluição da cidade e, depois de algum tempo, pensei em cobrir os prédios com grama. Achei que era coisa de doido, mas aquilo ficou na minha cabeça."


Sua "loucura" chegará finalmente ao mercado no segundo semestre. O preço, 200 reais o metro quadrado, promete causar alucinações nos consumidores, mas ele argumenta que o valor se tornará mais palatável à medida que a produção e as vendas ganharem escala. De quebra, o designer prepara mais opções "verdes" para o seu cardápio: um pacote de laminados de fibras vegetais (tururi, juta, malva, algodão, sisal, curauá etc.); e a volta por cima das pastilhas. "Estamos desenvolvendo novas versões à base de cascas vegetais, com formatos e cores diferentes. Serão fabricados 10 mil metros quadrados por mês a partir do próximo ano", avisa Queiroz, que, salvo engano, parece precavido contra novas investidas dos dragões chineses no seu quintal. "Boas ideias são rapidamente copiadas. É preciso se reinventar o tempo todo."


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