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O Poder da delicadeza - 28/06/2018
Marici Santos: desafio no Oriente Médio e no Leste Europeu

Nos últimos dez anos, a paulistana Andréa Martinelli, de 38 anos, precisou substituir sete vezes seu passaporte. Ainda que o documento tenha validade de cinco anos, a frenética velocidade com que preenche suas cadernetas com vistos e carimbos a obriga a constantes renovações antecipadas para que possa continuar com sua rotina de viagens. Baseada em Barcelona, na Espanha, Andréa é vice-presidente sênior da multinacional francesa do setor elétrico Schneider Electric, responsável pelo departamento de satisfação do cliente em mais de 70 países, num total de 2 mil funcionários em 100 centros de serviço e suporte técnico. Ainda que trabalhar em lugares ásperos como a Arábia Saudita e a Rússia faça parte de seu dia a dia, e que já tenha vivido em Nova York, Londres, Bruxelas, Düsseldorf e Varsóvia (polonês fluente está entre os oito idiomas que domina), foi na Itália que Andréa encarou um dos grandes desafios de sua carreira, em seu emprego anterior. Em 2007, quando assumiu a divisão de produtos médicos (com sede em Düsseldorf, na Alemanha) da gigantesca multinacional americana 3M, foi responsável pela finalização da aquisição de um grupo de empresas, que elevou o volume de negócios de sua alçada a 800 milhões de dólares. Uma das companhias, na Itália, operava no negativo e tinha à frente um CEO italiano pouco receptivo, que, resistente à cultura da nova direção, vinha atravancando o processo de integração e prejudicando o desempenho global da divisão médica. "Diante da questão, lembrei do jargão segundo o qual americanos fazem negócio com empresas e brasileiros fazem negócio com pessoas", conta Andréa. "Em vez de resolver os problemas logo de cara, investi tempo e viagens em criar um vínculo de confiança com a pessoa por trás do CEO." Pouco a pouco, em parceria com o aliado recém-conquistado, a executiva foi capaz de implantar o plano de reversão que tinha em mãos. "Ver aquela companhia dando lucro foi um dos momentos de maior satisfação na minha carreira."


A estratégia utilizada por Andréa ilustra com precisão o estudo publicado pela Consultoria Multinacional em Recursos Humanos Caliper, cujas operações no Brasil têm sede no Paraná. A pesquisa avaliou 66 executivas brasileiras e 59 americanas e britânicas (todas em cargos de diretoria, presidência e vice-presidência) por meio de entrevistas e testes de personalidade. Os resultados comparativos revelaram que, enquanto as estrangeiras, em geral, são mais abertas a assumir riscos na tomada de decisão e na implementação de novas ideias, as brasileiras destacam-se pela postura mais atenciosa e menos autoritária em relação à equipe, o que influi positivamente na obtenção de objetivos comuns e dá pistas sobre o motivo pelo qual um time cada vez mais numeroso de profissionais brasileiras vem ocupando altos cargos no exterior, em diversos setores. "Apesar de ter suficiente conhecimento técnico e muitos anos de experiência lidando com pessoas, num primeiro momento isso não foi suficiente para ser bem recebida no Oriente Médio e no Leste Europeu", conta Marici Santos, de 44 anos, gerente global de serviços da ABB, multinacional do setor de automação para mineração, desde 2008. Vivendo em Houston, nos Estados Unidos, ela é responsável por um segmento industrial que atua em mais de 25 países e envolve 800 pessoas. Até que conseguisse a colaboração de seus funcionários em tantas regiões, foi necessário lançar mão de insistência e flexibilidade. "O que percebo é que, apesar de no setor industrial ainda prevalecer uma cultura machista, as executivas brasileiras têm desenvolvido habilidade e sensibilidade para transitar nesse ambiente sem necessidade de usar a agressividade para atingir objetivos, ao contrário do que acontece em alguns países da Europa, em que as mulheres tendem a agircom certa rispidez para conseguir o respeito da equipe", diz Marici. Ela atribui as habilidades das executivas brasileiras, parcialmente, ao vínculo com uma cultura familiar, na qual a mulher ainda é responsável pela maior parte da organização da casa e pela educação dos filhos (ela tem três), exigindo das profissionais uma forte habilidade multitarefas. Outro relatório publicado recentemente pela Caliper confirma o que Marici observou na prática em sua vivência internacional. A pesquisa baseou-se em entrevistas com 181 mulheres que atuam na área de gestão para detalhar o perfil geral da administradora brasileira. As respostas mostram que elas têm muita assertividade, mas com tendência a defender posições sem pecar pelo excesso de agressividade. "Na maioria das vezes, a alta agressividade não é bem-vista pela equipe, principalmente quando é somada à falta de flexibilidade", afirma Ana Cristina Artigas Santos, gerente de atendimento da Caliper e responsável pelo trabalho. Motivar a equipe por meio de uma postura aberta e moderada foi justamente o ponto de partida para que a paulistana Priscilla Shumate, de 38 anos, reformulasse o departamento de marketing da Nike no México. Quando assumiu a direção da equipe de 37 pessoas, em janeiro de 2011, reparou que apenas os cinco gerentes contribuíam com ideias, enquanto os demais se limitavam a obedecer. "Era uma loucura que justamente os mais jovens e próximos ao nosso consumidor estivessem bloqueados pela hierarquia", conta.


"Então, procurei fazê-los entender que todos ali deveriam ter voz, independentemente do cargo." Mais engajado, o grupo acabou fazendo por meio de um orçamento anual de 30 milhões de dólares – com que o México se posicionasse entre os três países mais receptivos às ações publicitárias da marca no mundo. No mesmo período, a Nike sagrou-se campeã em número de seguidores nas redes sociais em território mexicano, batendo a Coca-Cola. Seu desempenho lhe rendeu, no fim de maio, a promoção a diretora sênior de marketing para a Olímpiada de 2016 e o retorno à sede em Beaverton, nos Estados Unidos. Com 12 anos de casa, Priscilla entrou na Nike em 2001 como EKIN, sigla que designa os jovens que fazem um trabalho de "evangelização" da marca com os representantes da empresa. Ser brasileira, segundo ela, não foi um trunfo apenas agora, pela questão da Olimpíada, mas também porque a companhia sempre buscou inspiração no Brasil. "O esporte e o culto ao corpo fazem parte da nossa cultura", conta Priscilla, que foi aos Estados Unidos para cursar a faculdade no Texas e sagrou-se campeã mundial de handebol pela seleção americana. "Vim mesmo atrás do american dream e cheguei lá, sempre extraindo o lado positivo do jeitinho brasileiro, que é a capacidade de encontrar soluções de maneira criativa, aliada à pontualidade, disciplina e capacidade de ouvir que aprendi por aqui", diz Priscilla, que é casada com um americano e tem um filho de 3 anos e meio. A conquista de um sólido espaço no exterior também é realidade para a publicitária Fernanda Romano, 38 anos, listada, no ano passado, entre as 100 mulheres mais influentes da publicidade pela revista-referência Advertising Age. Deixando para trás uma carreira bem-sucedida (e premiada) na DM9, em São Paulo, ela decidiu partir para Nova York em 2005. "Cresci na profissão vendo as coisas vir de fora e decidi que queria estar onde as pessoas estavam criando tudo isso." Após passar por posições importantes em agências multinacionais de primeira linha em Nova York, Madri e Londres – além de um ano sabático durante o qual viajou e redesenhou suas metas –, Fernanda lançou a agência Naked no Brasil. Com sede em São Paulo, a empresa é parte de uma rede presente nos Estados Unidos, Inglaterra, Dinamarca, Japão e Austrália e, em menos de um ano e meio, arrebanhou clientes como Natura, Oi, Penalty, Yahoo!, Mars e Hering. Na ponte aérea São Paulo–Nova York, Fernanda lidera a criação da Naked enquanto trabalha na gestação de uma plataforma de crowdsourcing para financiar testes de medicamentos de forma independente das grandes farmacêuticas, além de uma consultoria de inovação e incubadora de ideias. "O fato de minha escola no Brasil ter sido um mercado machista e preconceituoso me deu resiliência", diz. "Trabalhar com americanos e europeus é muito diferente de lidar com brasileiros, a gente leva tudo para o pessoal, temos dificuldades em impor limites a nós mesmos e aos outros, e nos sentimos responsáveis pela equipe de uma maneira que os estrangeiros, em geral, não se sentem", conta Fernanda. Ela admite ter tido dificuldade para delimitar a fronteira entre a informalidade que quebra o gelo e a que a impede de ser levada a sério. "Foi bem difícil encontrar o equilíbrio, porque, se passasse a me comportar como uma gringa perderia o diferencial, que é ser cabeça aberta e informal", diz. Também estabelecida em Nova York como empresária, a catarinense criada em São Paulo Michele Levy, de 40 anos, não apenas almejou como planejou minuciosamente sua carreira internacional, tendo como ponto de mira Wall Street. Após um MBA em Harvard, 12 anos trabalhando em private equity no banco JPMorgan na tão sonhada avenida e quatro anos como diretora sênior da organização Americas Society and Council of the Americas (fundada pelo banqueiro David Rockefeller para promover o diálogo e a educação nas Américas), Michele decidiu lançar-se em voo-solo em plena crise, entre 2008 e 2009, abraçando a representação exclusiva das sandálias Melissa para os Estados Unidos e Caribe em parceria com o marido. "Crise não assusta brasileiro", diz a CEO da Melissa Shoes, que atualmente vende 1 milhão de pares ao ano, tendo na carteira de clientes lojas pesos pesados, como Saks Fifth Avenue, Neiman Marcus, Nordstrom, Bergdorf, J. Crew, Victoria’s Secret, entre outras. "No nosso país as coisas não são fáceis, então precisamos ter uma adaptabilidade que me diferenciou desde sempre e da qual desfruto para saber reagir a pessoas, perguntas e situações", diz a empresária, que viu a crise como uma oportunidade para investir em um produto glamouroso e barato. A capacidade de adaptação nata e o instinto de sobrevivência profissional de quem está acostumado com um mercado extremamente competitivo e instável como o do Brasil são ainda mais valorizados quando se trata de abrir mercados emergentes e culturalmente distintos. À paulistana Mônica Pinto, 45 anos, coube a árdua tarefa de implantar, a partir de 2003, a multinacional francesa de artigos de luxo para cozinha Le Creuset nos grandes mercados asiáticos, a começar pela China. Vivendo na ponte aérea Tóquio–Xangai, ela ainda foi responsável por instalar escritórios em Taiwan, Malásia, Coreia do Sul e Cingapura e, posteriormente, assumiu a direção da empresa no Japão (que triplicou as vendas durante seus cinco anos de gestão). Sua filha, hoje com 4 anos e meio, nasceu em Tóquio, cidade de onde resolveu se mudar após o terremoto de 2009. Diretora comercial do Le Creuset Group, agora instalada na matriz em Lugano, na Suíça, ela soma 17 anos na empresa. "Meu jogo de cintura tipicamente brasileiro foi essencial para que conseguisse me estabelecer na Ásia, que, até aquele momento, era um lugar totalmente desconhecido para mim." Foram determinados traços culturais, também, que lhe serviram de arma letal para atingir seus objetivos, ainda que à custa de certa saia justa. "Numa reunião em Tóquio, instintivamente, apertei a mão do diretor de uma importante loja de departamentos", conta. "Como no Japão tocar as pessoas está totalmente fora das normas de etiqueta, ele ficou tão absolutamente desconcertado que acabou perdendo o foco da negociação e aceitou todas as minhas condições." Abrir terreno na Ásia, bem como no Brasil, não é tarefa fácil para o gênero feminino. Segundo a pesquisa global desenvolvida desde 2007 pela consultoria McKinsey & Company, intitulada Women Matter ("A questão da mulher"), as mulheres ocupam 7% dos cargos de direção nas empresas brasileiras – na China a marca é de 6% e na Índia de 5%. Na Noruega, as mulheres são responsáveis por 32% dos postos de chefia, enquanto a média europeia é de 17% e os Estados Unidos têm 15% de profissionais do sexo feminino no comando. Ainda é muito pouco, visto que pesquisas bem fundamentadas (citadas em Women Matter) apontam para o fato de que empresas com um número significante de executi vas tendem a conseguir melhores resultados. De qualquer forma, é compreensível que profissionais altamente qualificadas vejam Europa e Estados Unidos como territórios menos inóspitos do que o Brasil para ascender na carreira. Responsável global pelo mercado de embalagens da suíça Clariant na Unidade de Negócios Masterbatches (concentrados de cores e aditivos para uso na fabricação de plásticos), a paulistana Alessandra Funcia, 38 anos, morou seis meses na China para montar um novo laboratório da empresa no gigante asiático, antes de instalar-se, em 2011, na matriz da empresa na região de Basileia (referência mundial da indústria química), o que a obrigou a se adaptar a dois universos extremamente opostos em pouquíssimo tempo. "Ter vindo de um país de contrastes nos permite entender outras nacionalidades, sejam os que enfrentam dificuldades parecidas com as que existem no Brasil ou os que vivem com abundância", conta Alessandra, que acredita que ser uma profissional com experiência em um mercado considerado emergente, como o Brasil, é uma de suas fortalezas. "Trabalho no exterior há 18 anos e, no princípio, ser brasileira atrapalhava porque tínhamos certa fama de aproveitadores e oportunistas", conta Luciana Pavan, vice-presidente de mídia digital para o grupo A&E Ole Networks desde 2009, baseada em Miami, que soma passagens pelo banco de investimentos Goldman Sachs e pela gigante das comunicações Viacom, tendo trabalhado no Brasil e na Europa (Londres), em conjunto com equipes no Leste Europeu, no Oriente Médio e na África. "O Brasil está na moda, é cool ser brasileira e, além do mais, passamos a ser considerados trabalhadores esforçados e positivos", diz Luciana. A opinião de que a imagem do brasileiro, e sobretudo da brasileira, mudou drasticamente na última década é unânime entre as executivas que cultivam longas carreiras internacionais. Ainda que sejamos, mais do que nunca, o país do futebol no pré-Copa, o samba em horário comercial parece ter sido, enfim, abolido do estereótipo verde-amarelo.


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