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Atenção às diferenças - 28/06/2018
A mentalidade a ser evitada é: “se funcionou em casa, vai funcionar em qualquer lugar”

As empresas brasileiras estão cada vez mais transnacionais, mas o Brasil continua a ser, em alguns aspectos, um país pouco conectado ao mundo, afirma Pankaj Ghemawat, professor de Gestão Estratégica no Iese Business School, de Barcelona, e estudioso da globalização. Ghemawat esteve em São Paulo, em novembro, para um encontro global de ex-alunos do instituto catalão realizado no ISE Business School, a escola de negócios brasileira associada ao Iese. Aos participantes, ele mostrou que o Brasil ficou no último lugar entre 125 países no índice que mede o fluxo de comércio internacional de bens em relação ao PIB, segundo o relatório DHL Global Connectedness Index 2011 (na edição 2012 do estudo, lançada em dezembro, o Brasil continuou sendo o último entre 140 países). Ghemawat é indiano e graduou-se pela universidade americana Harvard, onde também ensinou. Em seus trabalhos, sustenta que a economia mundial é apenas em parte globalizada. Ao contrário do mito, diz ele, o mundo não ficou plano e as diferenças entre os países — geográficas, culturais, econômicas e administrativas — são muito importantes para empresas que pretendem se tornar globais. A seguir, trechos da entrevista que concedeu à PIB em São Paulo.     


Na sua maneira de ver, mesmo quando querem se internacionalizar, as empresas acabam tendo de agir localmente. Por que isso ocorre?


Ao contrário da ideia de que o mundo está ficando muito igual, ainda existem enormes diferenças. Por isso, talvez o erro mais comum de uma empresa interessada em ir para o exterior seja partir do pressuposto de que o que deu certo em seu país de origem funcionará lá fora. Isso só é verdade como exceção. É preciso prestar atenção nas diferenças entre um país e outro e encontrar maneiras de lidar com elas. Essa, aliás, é uma das razões pelas quais existem tantas multilatinas. Enquanto todos os países são diferentes, aqueles de uma mesma região possuem, é óbvio, não só ligações geográficas, mas também culturais. Frequentemente, têm sistemas jurídicos similares e outras coisas em comum. Sim, o português e o espanhol são línguas diferentes, mas não tão diferentes quanto o português e o chinês. É possível se fazer entender.


Como o senhor vê, nesse aspecto, o desempenho das multinacionais dos países emergentes?  


Isso varia enormemente. Algumas são muito bem-sucedidas e outras não. Mas dito isso, Tom Hout e eu escrevemos um artigo na Harvard Business Review sobre os variados desafios enfrentados pelas empresas dos países emergentes em relação às companhias dos países desenvolvidos. Estas, em geral, já possuem marcas próprias, tecnologia e sistemas gerenciais. O problema delas é que o locus do crescimento mundial está se deslocando dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento. Nos últimos cinco anos, os mercados emergentes foram responsáveis por 65% a 70% do crescimento da demanda mundial — algo sem precedentes na história recente. E isso parece que vai continuar. Então, o problema das companhias dos países desenvolvidos é “ok, como ‘localizamos’ nossos custos”? Muitas multinacionais — quando pensam em fazer algo mais do que “tirar uma casquinha” do mercado brasileiro, indiano ou chinês — precisam urgentemente se esforçar para atingir o nível das empresas locais naquilo que elas fazem melhor: cortar custos e ser localmente relevantes.


E as empresas dos países emergentes, o que precisam fazer para garantir o sucesso de sua expansão internacional?


O desafio delas consiste em adquirir as marcas, a tecnologia e os sistemas gerenciais que lhes permitam enfrentar as multinacionais dos países desenvolvidos em pé de igualdade. Elas também contam com uma desvantagem que as multinacionais dos países ricos não têm. Quando a Philips começou a se tornar global, há 110 anos, não havia multinacionais para bloquear sua expansão. Ou seja, há vantagens em ser a primeira.  


Quais vantagens são essas?


Tome-se o exemplo dos laboratórios farmacêuticos da Índia que estão tentando expandir seus negócios para o exterior. Seus concorrentes são muitos concentrados, têm enorme poder de mercado e parecem dispostos a recorrer a táticas extremamente agressivas para impedir que as empresas indianas ponham um pé ali. Se eles sabem que uma companhia como Ranbaxy ou Dr. Reddy’s está investindo numa nova molécula que lhes permitirá contornar a muralha imposta pela patente de outro laboratório, trata-se de um negócio grande, de dezenas, se não de centenas de milhões de dólares. Mais de uma vez, as empresas indianas estavam prestes a introduzir um novo produto no mercado e as multinacionais decidem, então, licenciar seu produto — cuja patente estava para vencer, de qualquer sorte — para seis outras empresas. Em consequência, acabam jogando para baixo a estrutura de preços e destruindo a lógica econômica do novo produto. Isso só acontece quando se tem um mercado relativamente concentrado. Se existissem mil multinacionais, nenhuma delas teria incentivos para agir assim. Mas se você é a Pfizer, que tem o domínio sobre uma categoria particular de produto, e vê outros tentando introduzir um substituto para o Lipitor, você pode fazer muitas  coisas para dissuadi-los. Essa é a diferença fundamental. Existem diferentes forças e fraquezas. Mas a grande vantagem das multinacionais estabelecidas é o fato de serem estabelecidas. Elas são grandes. Elas têm recursos. Elas têm poder de retaliação.


Que estratégia as multinacionais emergentes podem usar para contrabalançar esse poder?


Uma variante interessante de estratégia tem a ver com o comércio Sul-Sul, que é a categoria do comércio mundial que mais cresce. Veja o que acontece com um utilitário esportivo da Mahindra &Mahindra, na Índia. Esse modelo, chamado Scorpio, nunca vai ser um sucesso no Ocidente. Não é veloz o suficiente nem tem o acabamento necessário, mas a questão é: foi desenhado para enfrentar péssimas estradas, é muito resistente e a manutenção é simples. Justamente por isso foi um sucesso em mercados como a África, que valoriza essas características do produto.


Existem outras vantagens?


No meu trabalho, discuto três grandes estratégias para lidar com as diferenças: a arbitragem, que é a exploração dessas diferenças; a adaptação, que é, de algum modo, se ajustar a elas; e a agregação, que é, ainda assim, encontrar algum modo de superá-las e atingir pelo menos alguns graus de economias de escala transfronteiriças. As multinacionais dos mercados emergentes podem enfrentar cara a cara as multinacionais tradicionais, ou podem dizer: “vamos encontrar outros mercados próximos, que tenham necessidades próximas ao que já ofertamos, e entrar ali”. É isso, basicamente, o que estão fazendo as multilatinas.


É isso o que as brasileiras estão fazendo ao ir para o mercado africano, não é mesmo?


Sim, a África também — e o Brasil não é o único exemplo. Vocês conhecem bem a Odebrecht, mas vou falar sobre as empresas de construção da Turquia. São muito grandes agora, mas começaram trabalhando em locais onde as empreiteiras americanas e europeias não queriam ir porque eram difíceis e politicamente arriscados.


É o caso do norte da África?


Sim, a Líbia, por exemplo, nos tempos de Kadafi. Trata-se de uma estratégia de explorar parcialmente as contiguidades geográficas — por isso, os turcos expandiram seus negócios para a Rússia e Ásia Central. Mas também houve um grande foco no seguinte: “Ok, vamos para onde as multinacionais não estão dispostas a se instalar; ou onde elas exijam uma remuneração três vezes maior por causa dos riscos”.


As companhias chinesas estão seguindo o mesmo caminho, não estão?


Os chineses são muito bons nisso também, o que nos faz lembrar que há algo mais do que características similares de produtos, que pode facilitar a expansão de uma multinacional. Se você é do Brasil e tem tido, felizmente, menos experiência recente em volatilidade macroeconômica, talvez lhe seja mais fácil operar em outros mercados ao redor do mundo, em comparação com uma companhia americana cuja sede não entende como gerenciar todo o ciclo. Isso pode ser visto, claramente, com as companhias americanas que operam neste continente. Elas passam anos estabelecendo uma presença aqui e, então, cada vez que surge uma crise, correm para vender seus ativos no pior momento possível. Eu estava na Argentina por ocasião do corralito. A rapidez com que as empresas americanas decidiram dispor de suas participações foi interessante. Meu banco, na época — o Bank of Boston — vendeu para os sul-africanos ativos em sua posse havia 100 anos, assim, de uma hora para outra. Os sul-africanos ficaram muito felizes; conseguiram esses ativos por um terço de seu valor porque os americanos estavam com muita pressa de ir embora.


Dentro dessas relações políticas, o senhor considera importante os laços coloniais.


A relação colônia-colonizador, de fato, nos faz lembrar de que há efeitos profundamente enraizados. Leva muito tempo para construir conexões internacionais. Pense, por exemplo, nos investimentos espanhóis na América Latina. Os laços coloniais da Espanha com boa parte da América Latina expiraram perto de 200 anos atrás com a Revolução Bolivariana. No entanto, os espanhóis ainda acham relativamente mais fácil fazer negócios, sobretudo investir, em algumas partes da região. Isso teve uma pequena ajuda da conjuntura temporal. As companhias espanholas começaram a olhar para o exterior quando a América Latina, seguindo o exemplo do Chile, deu início a grandes privatizações, nos anos 1990. O mais óbvio para os bancos e empresas espanholas era dizer o seguinte: “Ok, não acreditamos que podemos realmente nos medir com as companhias  europeias, mas olhando esses mercados, pensamos que temos algumas vantagens e que não será tão difícil”.  Foi assim que o Santander me explicou sua estratégia de expansão. O alvo de longo prazo era a Europa, mas os atalhos eram o Brasil e o México.


Se o senhor tivesse apenas um conselho para dar a uma empresa brasileira em processo de internacionalização, que conselho seria esse?


Vamos começar antes de a empresa se tornar globalizada. As companhias geralmente decidem se internacionalizar quando veem que se esgotou seu espaço para crescer internamente. Isso significa que elas tiveram sucesso. Logo, essas empresas são especialmente vulneráveis ao pensamento: “se funcionou aqui dentro, vai funcionar em qualquer lugar”. É como no Walmart. Alguém perguntou a Lee Scott (então presidente) por que, na opinião dele, o Walmart teria sucesso no exterior — isso lá atrás, em 2004. Lee respondeu algo assim: “Veja, se você conseguiu sair de Arkansas para o Alabama, quão mais difícil será a Argentina?” Essa é a mentalidade a ser evitada, e é por isso que eu dedico tanto do meu tempo a convencer executivos de que não é apenas equivocado, mas muito perigoso acreditar que o mundo é plano — que as diferenças não são importantes, que as fronteiras nacionais deixaram de ter relevância. Essa mentalidade apenas reforça a tendência latente de repetir, num mercado estrangeiro, tudo aquilo que você fez e que deu certo.


O que essas empresas deveriam fazer, então?


Passo número 1: em vez de assumir que sua estratégia funcionará outra vez, tente observar, com rigor, aquilo que faz a diferença na sua indústria. O idioma vai ser mais importante para uma empresa de software customizada, com muitas interações com o cliente, do que para uma cimenteira. O desafio empresarial é perguntar: “Ok, na minha indústria, quais desses fatores realmente importam mais?” E, então, após descobrir quais são as diferenças relevantes, é a hora de ser criativo, pensar quais dessas grandes abordagens — arbitragem, adaptação e agregação — você vai seguir.


Que vantagens, então, a seu ver, as multinacionais de países emergentes teriam de desenvolver para ser bem-sucedidas no exterior?


Isso depende muito do tipo de negócio em que estão. Para a Embraer, nunca foi viável focar no mercado latino-americano. Não é grande o suficiente para bancar os custos iniciais de desenvolvimento de um produto. Para a Alpargatas, é um pouco mais fácil pensar em atuar numa base puramente regional. Então,  evito aconselhar: “não vão para muito longe de casa”. O ponto básico é: não é uma boa ideia assumir que o exterior é igual ao mercado interno. Não digo que ninguém deveria ir para a Índia ou a China. Mas se sua maior razão para ir para a Índia e a China é que você descobriu que há muitos indianos e chineses, esse não é um insight exclusivo! (risos) Seria mais aconselhável que tentasse descobrir de que maneira esses mercados serão diferentes e como você poderá tirar proveito dessas diferenças.   


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